Qual a relação entre Psicanálise e Política?
- Aniervson Santos
- 30 de ago. de 2024
- 5 min de leitura

Olá, gente. Tudo bem com vocês? Me chamo Aniervson Santos, sou psicanalista, pedagogo e mestre em Educação, Culturas e Identidades e neste texto gostaria de falar um pouquinho com vocês a respeito de política.
Como já estamos no período eleitoral, onde daqui pouco mais de um mês iremos votar e eleger os futuros vereadores e prefeitos de todas as cidades do Brasil, resolvi fazer essa discussão para que pudéssemos refletir a respeito do mecanismo em torno dessa vinculação política a partir do olhar da psicanálise.
Diz um velho ditado que religião e política não se discutem, mas estou aqui para dizer que este ditado está completamente equivocado, pois se discutem sim e inclusive o próprio Freud, o pai da psicanálise, discutiu sobre esses dois temas ao longo de suas obras.
Claro que o foco dos estudos de Freud não foi diretamente o estudo sobre a política, mas é impossível não encontrar referências desse tema ao ler e analisar suas obras, afinal, Freud propõe reflexões políticas e sociais pertinentes, inclusive para outros temas de grande interesse para a nossa sociedade. Neste texto, tentarei focar nas análises a respeito da política, numa visão psicanalítica, destacando a respeito da disputa de poder e as hierarquias sociais, mas nas obras freudianas também encontramos estudos sobre o comportamento humano, abordando a sublimação dos instintos e desejos, a exclusão, agressão, violências, entre outros temas.
A obra "Totem e Tabu" de Freud, que foi publicada em 1913, inaugura suas reflexões quanto às origens e ao modo de transmissão de uma cultura e aproximou assim a psicanálise às humanidades. Nesta obra, Freud vê a política a partir da origem da sociedade e as questões referentes ao equilíbrio social. Essas análises nos ajudam a compreender sobre a cultura e repensar nossos atuais moldes sociais e políticos. O livro Totem e Tabu é considerado pelo próprio Freud como uma de suas obras mais importantes.
Iremos refletir sobre o resultado de um governo que deriva da figura do político e como nos vinculamos aos discursos e ideais que tais sujeitos sustentam, chegando a eleger este e não aquele candidato ou candidata. O que será que acontece em nós que faz a gente vestir a camisa de determinado político, comprar seu discurso e se vincular a ele? Qual o motivo para que, mesmo diante de opções mais democráticas e libertadoras a gente se vincular a políticos com discursos violentos e contrários aos nossos valores morais e ou até mesmo religiosos?
Bem, as respostas para estas perguntas nem são simples de serem dadas, considerando a grande interface de conexões em torno dessas questões, nem tão pouco são encontradas isoladas nas obras de Freud ou de nenhum outro autor da psicanálise ou de outras ciências. Para arriscar responder essas perguntas é necessário fazer grandes reflexões e conexões a respeito de outros temas que podem explicar e justificar o comportamento humano.
Adianto que não pretendo esgotar esse assunto, tão pouco bater o martelo como se eu encerrasse aqui, de uma vez por todas, essa discussão. Minha intenção é suscitar e abrir esse debate, para que outras pessoas, com outras visões, possam engrossar essas reflexões.
Uma importante maneira de pensar nossas vinculações aos discursos dos políticos é, justamente, o conceito de consciente e inconsciente, tão amplamente estudado por Freud e por outros psicanalistas contemporâneos. Poderíamos dizer que o inconsciente seria como uma espécie de "reservatório" de sentimentos, pensamentos, impulsos e memórias que estão fora da percepção consciente. É importante também enfatizar que nossos processos psíquicos são em sua imensa maioria inconscientes, o que quer dizer que a consciência não é mais do que uma fração de nossa vida psíquica total.
Em outras palavras, é o mesmo que dizer que a nossa vida, ou seja, nossos comportamentos, desejos, medos e até nossas vinculações políticas são determinadas, em sua grande maioria, pelos conteúdos inconscientes. Por exemplo, quando me identifico com um político que tem um discurso de ódio e eu, no dia a dia, digo que prego o amor, na verdade, o discurso do político se conecta com os sentimentos e pensamentos que estão no meu inconsciente e, portanto, me movimenta a segui-lo, já que ele, de alguma forma, realiza meus desejos inconscientes.
Se pararmos para analisar o quanto parece incoerente que um grande número de brasileiros se conectaram e ainda se conectam ao discurso extremamente conservador do ex-presidente Bolsonaro, por exemplo, mesmo tal discurso representando a perseguição dos direitos destes mesmos defensores, parece algo irracional e sem lógica, não é mesmo? A gente diz o tempo todo que, de forma consciente, não escolheríamos sofrer caso tivéssemos a opção de escolher, não é? Bem, isso não deixa de ser uma verdade.
Se o discurso de determinado político faz nos vincularmos a ele é porque tal discurso encontra algum elemento dentro de nós para se ancorar, mesmo que seja na dimensão inconsciente. Sendo assim, é importante destacar que a gente recalca desejos socialmente inaceitáveis ou moralmente repudiados e ao encontrar um político que representa em seu discurso tais desejos nosso inconsciente se vincula a ele como uma forma de realizar tal desejo, mesmo que de forma indireta, na pessoa do outro, já que não temos coragem de assumir tais desejos e realizá-los nós mesmos.
É claro que não podemos desconsiderar o fato dos interesses pessoais por trás de determinadas vinculações políticas. Muita gente se vincula a determinado político em benefício próprio, com a intenção de tirar algum tipo de proveito da situação, mesmo que aquele determinado político não represente a construção de uma sociedade libertadora e democrática. De toda forma, mesmo essas pessoas, encontram no seu conjunto psíquico inconsciente algo a que se vincular a um político apenas por benefício próprio, afinal é ali que estão os conteúdos que sustentam e constroem nossa identidade.
Grosso modo, verdadeiramente quando almejamos construir uma sociedade libertária, humana e fraterna, buscamos nos vincular a políticos que sustentem e representem tais desejos. Quando, ao contrário, lá no fundo, nossos desejos são da ordem da repressão, violência e barbárie, nos identificamos com quem sustenta tal ideia, mesmo que de forma velada, já que não é politicamente correto defender a perseguição de direitos, ou ao menos não era.
Então é isso, gente. E como disse Freud na obra O mal-estar da civilização "É desnecessário dizer que todo aquele que partilha um delírio jamais o reconhece como tal." Então se você tem se vinculado a discursos políticos que aparentemente vão em direção oposta ao que você acredita que defende, que tal iniciar um processo de análise psicanalítica para compreender, de forma mais profunda, quais são seus desejos mais escondidos e inclusive, escondidos de você mesmo, afinal eles estão "alojados" no inconsciente, loucos para sair por aí e serem realizados.
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